Regresso a Moçambique onde a paz e a justiça ainda estão longe

Editorial por Andrea Riccardi em Famiglia Cristiana

 Na foto: Uma vista de Maputo hoje - Foto de Twitter

Quarenta anos depois, as cidades estão a brilhar, mas a pobreza permanece, tal como os ventos da guerra

Há quarenta anos que vou regularmente a Moçambique, colónia portuguesa até 1975, quando, após uma guerra de dez anos, o movimento Frelimo libertou o país. Fui pela primeira vez em 1984, para levar ajuda a um país assolado pela fome. No grande mercado geral de Maputo não havia nada para comprar: apenas peixe seco. 

Nas ruas, muitas crianças com as barrigas inchadas, típicas dos subnutridos. A situação era dramática. Só havia 80 médicos em todo o país. Os portugueses tinham partido quase todos e o governo não queria que ficassem. Alguns portugueses pobres podiam ser vistos a mendigar à porta das igrejas. Como gerir o país sem uma classe dirigente, sem operários nem técnicos? A Frelimo, apoiada pela URSS e por Cuba, era um partido (único) disciplinado mas também duro. Queria alcançar o socialismo, mas as urgências eram constantes. Nasce um movimento antigovernamental, apoiado pela África do Sul racista e pela Rodésia branca, que faz assaltos por todo o país. Em 1984, já não se podia viajar via terrestre, apenas via aérea, num país cercado. A guerra, a fome, a falta de cuidados eram o legado de um colonialismo miserável, mas também o resultado de uma política ideológica e rígida. O conflito com a Igreja Católica também se fez sentir. As missões e as escolas são confiscadas, a atividade religiosa é controlada. Chegou-se mesmo à prisão de um bispo. Faltava tudo. 

Um velho missionário, que me levava por Maputo, costumava repetir: «As crianças são a riqueza de Moçambique». Mas as crianças tinham fome e precisavam de um futuro futuro. 

Com Matteo Zuppi, na altura um simples vigário paroquial em Trastevere, sonhámos com um futuro diferente. Facilitámos um encontro secreto em Roma entre o bispo Jaime Gonçalves e Enrico Berlinguer, secretário do PCI, então muito empenhado em Moçambique. O secretário comunista deu o seu apoio à Igreja para a Liberdade e actuou de forma muito eficaz. Entretanto, através de encontros, inclusive com alguns dirigentes da FreLiMo, entre os quais o Ministro dos Negócios Estrangeiros Joaquim Chissano, que mais tarde se tornou presidente, começámos a procurar, juntamente com Zuppi, uma saída em 1986. Num congresso da Frelimo, falei sobre a necessidade de paz, muito aplaudido pelos delegados, apesar das hesitações de alguns. A ideia de diálogo entre o governo e a Renamo, o partido da oposição, amadureceu, mas não era fácil chegar até eles, entrincheirados como estavam no país. A intervenção de Monsenhor Gonçalves foi decisiva. Em Maputo, as esperanças foram acesas, mas no interior do país a violência contra a população continuou. Um livro de Nelson Moda, que viveu uma infância em tempo de guerra, relata a dor e a angústia desses tempos. 

Quarenta anos depois, tudo mudou. As cidades, sobretudo Maputo, estão a brilhar. O comunismo há muito que desapareceu. As empresas internacionais estão a tentar assegurar a exploração dos muitos recursos do país. 

Há africanos ricos e muito ricos, mas também uma massa de pobres. Acima de tudo, há muitos jovens inquietos com o futuro e com o trabalho. 

Nos últimos anos, ressurgiu a guerrilha no Norte, que se apresenta como um movimento de protesto islâmico. Em Moçambique, a paz e a justiça ainda estão longe


Editorial por Andrea Riccardi em Famiglia Cristiana de 28/7/2024