A nossa indiferença para com África que está de joelhos. Um editorial de Andrea Riccardi

O Papa Francisco falou de "justiça restaurativa". As relações com a África devem ser restauradas urgentemente: é o continente mais pobre e mais explorado.

Na foto: Moçambique - Mulheres deslocadas da aldeia delas após os ataques terroristas - Foto Sant'Egidio

Um continente assolado pela pobreza, pela guerra e pelo terrorismo, como aquele que está a ensanguentar o Norte de Moçambique

Na mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, o Papa Francisco disse: «é o tempo da justiça restaurativa». Não devemos esquecer "a história da exploração do Sul do Planeta" e apelou à remissão das dívidas e a uma partilha mais equitativa da riqueza. Para o Papa é necessária uma restauração das relações entre o Norte e o Sul do mundo, já não baseada apenas nos direitos de propriedade, mas também na compartilha. Isto também diz respeito à Criação, ou seja, à terra, ao clima, ao meio ambiente.
 
Esta é a grande lição da Laudato Sì: quando há injustiça social, há também injustiça ambiental. Aqueles que não respeitam os seus semelhantes, nem sequer respeitam o ambiente. Quem explora o homem, explora o Planeta. Isto pode ser visto em particular quando olhamos para o "último bilião", do qual Paul Collier escreveu, ou seja, o continente abandonado: a África.


As relações com África precisam urgentemente de ser restauradas: é o continente mais pobre e mais explorado. A memória do tráfico de escravos paira sobre a imaginação dos seus povos. Contudo, a questão mais dolorosa do continente são as guerras e a violência que o afligem permanentemente, sob o olhar distraído do resto do mundo. Há conflitos que nunca foram resolvidos, tais como o da Somália. Mais recentemente estamos a assistir ao contágio do terrorismo: um jihadismo africano que se está a tornar a alternativa à desolação económica para muitos jovens sem emprego ou educação.

A África está a ser explorada e não pode ser dispensada: de lá provêm minerais essenciais e recursos energéticos. Mas quase ninguém está interessado no seu povo. Vimo-lo com a SIDA: levou anos para que a cura chegasse a África. Um atraso inaceitável com milhões de vidas perdidas. Isto cria um paradoxo absurdo: enquanto o investimento privado cresce no continente, ao mesmo tempo, os serviços essenciais, como a saúde e a educação, estão a diminuir.

Para a Itália, o exemplo de Moçambique é claro. Tem sido sempre um país prioritário para a nossa cooperação; é a terra onde a paz - após uma longa guerra civil - foi encontrada em Roma; é o lugar de muitos interesses económicos. 

Mas Moçambique está a entrar numa época muito difícil: um misterioso movimento armado islâmico está a aterrorizar o povo do Norte, matando e ocupando cidades e aldeias. Duas freiras brasileiras foram raptadas. Face a tudo isto, a comunidade internacional não reagiu prontamente, enquanto os seus negócios prosseguem. A instabilidade pode estender-se ao país e a toda a região. Porque é que tais movimentos armados se enraízam? As injustiças causadas pelos investimentos de exploração não beneficiam a população, mas apenas alguns. O ambiente degrada-se e as pessoas abandonam a terra ou são forçadas a fazê-lo. O actual modelo de crescimento mata muitas esperanças de desenvolvimento para os africanos, na sua maioria jovens: as únicas alternativas são a emigração ou a violência

Nós, ocidentais, somos obcecados pela emigração, mas devemos compreender que a outra opção é pior. A multiplicação de jihads africanos é uma má notícia para um continente outrora muito ligado à Europa. Hoje está a afastar-se cada vez mais.  

Justiça restaurativa seria encontrar os fios de uma parceria justa e equitativa que oferecesse educação e trabalho aos jovens e lhes permitisse construir o futuro na paz. 

 

Editorial de Andrea Riccardi em Famiglia Cristiana de 13/9/2020